Guy Verval
O Rito Escocês Retificado repete sem descansar a sucessão de quatro estados:
– A perfeição original.
– A degradação.
– A destruição corporal
– A ressurreição futura
Este arquétipo se aplica a Hiram (o Arquiteto vivo, assassinado, em decomposição no túmulo e, finalmente, a sua ressurreição gloriosa) e ao Templo de Jerusalém (o Templo de Salomão, o Templo destruído e reconstruído e, finalmente, o Templo apocalíptico). Mas este sistema se aplica, sobretudo, ao futuro humano e, por conseguinte, ao Cristo. Em um determinado grau retificado é apresentado ao Maçom estes quatro estados, pela revelação sucessiva de quatro painéis.
Esta visão do destino é inspirada no sistema teosófico de Martinez de Pasqually de quem J. B. Willermoz, redator dos rituais retificados, estava impregnado. Em seu “Tratado da Reintegração” (1767), Martinez relata a criação por Deus de Adão, emanado para governar o universo criado, prisão dos anjos decaídos. Como o próprio Deus, Adão era revestido de um corpo “glorioso” e possuía as três faculdades espirituais fundamentais:
- pensamento,
- vontade,
- ação.
Todas susceptíveis do poder ao ato como intenção, vontade e palavra, e produzir, por sua união ao verbo uma ação eficaz. “Adão possuía então um verbo poderoso que fazia nascer, ao comando de sua palavra, segundo sua boa intenção e sua boa vontade espiritual, formas gloriosas e semelhantes àquelas que apareciam na imaginação do criador”. Martinez continuava:
“Esta forma gloriosa (do Adão primordial) não é outra coisa senão uma forma de figura aparente que o espírito concebe e cria segundo o seu desejo e segundo as ordens que recebe do criador… Esta forma gloriosa teria sido perpetuada por Adão pela reprodução de sua posteridade espiritual, mas, entretanto, sem nenhum princípio de operação material, como nos tem mostrado a natureza, com o advento e a ressurreição doCristo e a descida do Espírito Divino no Templo de Salomão” (Tratado, pág.44).
Mas esta forma gloriosa foi retirada de Adão devido ao abuso que ele fez de seu verbo, depois de ter a sua intenção pervertida pelo Maligno. E ele foi punido precisamente no produto da operação de seu verbo, isto é: “que em lugar de uma forma gloriosa, ele só obtém de sua operação uma forma tenebrosa, em tudo oposta à sua”. Eis aí como, de um glorioso estado corpóreo primeiro, Adão cai num estado corpóreo material, do qual se torna escravo. Estes dois estados apresentam, entretanto, uma estreita analogia, porque o segundo não passa da imagem condensada e figurada do primeiro: “Este segundo corpo, de matéria terrestre, tinha a mesma figura aparente do corpo glorioso do qual Adão tinha sido emanado. Ele sofreu somente uma mudança nas leis pelas quais ele se governaria se tivesse permanecido no princípio de justiça primeira”. Deste modo é colocada a dupla natureza do homem, indissociável, feito espírito e matéria (analisaremos em maior profundidade a questão da alma). E a tomada de consciência desta dualidade é a finalidade real da prova do 2º grau. A reintegração no Estado Primeiro, glorioso, que Martinez promete, pelas práticas teúrgicas que ensinava na Ordem dos Eleitos-Cohens, é objeto de numerosas alusões no Rito Retificado, alusivas no começo e explícitas em um de seus graus:
P : Qual tem sido o resultado de vosso trabalho ?
R : Tenho buscado os símbolos do antigo resplendor do Templo. O antigo resplendor do Templo deve ser entendido como o estado primordial do homem. Nós o sabemos, o templo do homem é seu corpo, e o antigo resplendor do templo é o estado corpóreo glorioso, figurado por Hiram….
Ora, esta reintegração é o resultado de um trabalho – aquele ao qual nos convida a instrução do 2º grau. “O guia que a Loja vos deu para vos conduzir da pedra bruta à pedra polida, e na qual haveis aprendido a trabalhar, figura esta força ativa e benfeitora que preside à vossa educação e favorece os vossos esforços. Não torneis os seus sonhos inúteis, usando com frequência o Esquadro, o Nível e o Prumo, para fazer desaparecer inteiramente a pedra bruta, e que vossos Irmãos não vejam mais em vós outra coisa senão uma pedra polida, digna de participar na construção do Templo em que trabalhais junto com eles”.
A reintegração é possível ( ? ) pela conjunção de dois fatores indispensáveis: uma “força ativa e benfeitora” vinda do alto, e o trabalho do homem, isto é, suas obras. Os instrumentos de trabalho do Maçom são o esquadro, o nível e o prumo, aos quais a instrução do 2º grau junta o compasso. Estes instrumentos devem ser entendidos como virtudes. No 4º grau, estes quatro instrumentos são associados à obra de reconstrução dotemplo. No 2º painel, eles são representados nos quatro ângulos e substituídos, no 3º painel, pelas quatro virtudes cardeais, que não são outras senão aquelas reveladas sucessivamente ao longo dos quatro graus: justiça, temperança, prudência e força. Mas esta reintegração está presente de duas maneiras. O segundo painel faz alusão à fase véterotestamentária (do Antigo Testamento), à fase da Antiga Lei. O terceiro painel alude à sua fase neotestamentária (do Novo Testamento) porque a ressurreição de Hiram se relaciona também com a ressurreição do Cristo, e anuncia assim a visão da Jerusalém Celeste, finalidade última da busca.
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