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A Gratidão e a Ingratidão

A gratidão e a ingratidão são aspectos fundamentais da experiência humana e estão profundamente enraizados nas tradições espirituais e filosóficas. Tanto no cristianismo primitivo quanto no Rito Escocês Retificado, essas virtudes são vistas como expressões do caráter moral e da relação do homem com seu Criador e com seus semelhantes.

No cristianismo primitivo, a gratidão era considerada uma expressão natural da fé autêntica e um sinal de comunhão com o Criador. Os primeiros cristãos viam-na como um dever essencial e uma resposta à graça Divina. O próprio Cristo demonstrou gratidão ao Pai, como se vê nos Evangelhos, especialmente quando Ele agradece antes de multiplicar os pães e os peixes (João 6:11) e na instituição da Eucaristia (Lucas 22:19).

Os escritos apostólicos também enfatizam essa virtude. Paulo, em suas epístolas, constantemente exorta os fiéis a serem gratos, não apenas pelas bênçãos recebidas, mas também em meio às adversidades: “Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco” (1 Tessalonicenses 5:18). A gratidão era entendida como uma disposição do coração que fortalecia a esperança e a paciência diante das tribulações.

A ingratidão, por outro lado, era vista como um pecado grave, uma forma de rejeição da bondade do Criador. A parábola dos dez leprosos curados por Jesus, dos quais apenas um voltou para agradecer (Lucas 17:11-19), ilustra essa perspectiva. A falta de gratidão era compreendida como um coração endurecido, incapaz de reconhecer a ação Divina e de responder com amor.

O próprio Jean-Baptiste Willermoz, tinha uma visão moral rigorosa sobre a ingratidão, considerando-a uma falha grave de caráter e um desvio da retidão que deveria guiar o comportamento dos iniciados. Ele via a ingratidão como um afastamento dos princípios cristãos e da busca pela regeneração espiritual.

 A importância que Willermoz dava a gratidão e a ingratidão podem ser verificadas através de suas próprias palavras: “A ingratidão é um crime contra as leis eternas do amor e da justiça, pois aquele que dela se torna culpado demonstra não ter compreendido o benefício recebido, nem o princípio Divino que deve reger sua conduta. ” (Instructions Secrètes aux Grands Profès, manuscrito Willermoz, Biblioteca Municipal de Lyon), “O homem ingrato se afasta da luz, pois esquece que tudo o que recebe deve ser retribuído com reconhecimento e serviço ao bem. ” (Correspondance de Jean-Baptiste Willermoz, carta a Bacon de la Chevalerie, 7 de agosto de 1802), “O verdadeiro iniciado sabe que a gratidão não é apenas um dever social, mas um princípio espiritual fundamental. Negá-la é negar a ordem estabelecida pelo Criador. ” (Leçons aux Chevaliers Bienfaisants de la Cité Sainte, discurso de Willermoz, 1785).

Saint-Martin considerava que a gratidão era uma virtude essencial para quem buscava a verdade e a regeneração espiritual. A ingratidão, por outro lado, era vista como um estado de ignorância e separação do Divino, para quem ainda não conhece com relativa profundidade Louis Claude de Saint Martin foi um dos influentes pensadores místicos ligados ao Rito Escocês Retificado, para ele a ingratidão era como um sinal de afastamento da ordem Divina e da verdadeira iluminação espiritual. El defendia a ideia que a gratidão era essencial para a elevação da alma e para a harmonia com os princípios universais.

Saint Martin deixou gravado em seus escritos vários pensamentos sobre este tema, vamos ressaltar apenas alguns: “A ingratidão é um dos mais cruéis flagelos que pesam sobre a humanidade; ela nasce do esquecimento de Deus e das suas obras. ” (L’Homme de Désir (1790), §118.), “O homem ingrato fecha a porta para as bênçãos do Alto, pois ele interrompe o fluxo da luz que deveria circular nele e através dele. ” (Ecce Homo (1792), capítulo VI.), “O coração que não sabe reconhecer os benefícios recebidos é como um solo árido que se recusa a dar frutos, mesmo sob a chuva abundante. ” (Le Nouvel Homme (1792), página 72.), “A gratidão é uma chave dada ao homem para abrir as portas do santuário Divino; aquele que a despreza permanece fora, na escuridão. ” (Pensées Choisies (compilação póstuma), aforismo 34.)

Portanto e de forma generalizada, podemos afirmar que no contexto do Rito Escocês Retificado (RER), a gratidão também desempenha um papel crucial, alinhando-se à doutrina cristã do rito e à busca pela reintegração do homem à sua condição primordial. O RER, ao enfatizar a regeneração espiritual e a moralidade cristã, ensinando que a gratidão é um dos atributos essenciais do homem virtuoso e um sinal de que ele reconhece sua dependência do Criador.

O rito também estabelece a gratidão como um princípio de convivência fraterna. O cavaleiro franco maçom, ao trilhar o caminho da Iniciação, é ensinado a reconhecer os benefícios que recebe não apenas do Criador, mas também de seus irmãos e da sociedade. A gratidão se traduz, portanto, em um comportamento humilde e generoso, refletindo a disposição de servir ao próximo e de retribuir o bem recebido, seja ele material, seja ele espiritual.

Por outro lado, a ingratidão, dentro da visão do RER, é um sinal de afastamento do caminho da Luz. O indivíduo ingrato demonstra orgulho e egocentrismo, incapaz de perceber sua interdependência com o Criador e com a humanidade. Essa atitude contrasta com o ideal cavaleiresco de humildade e reconhecimento, que são fundamentais para a progressão espiritual dentro do sistema.

Nossa conclusão para este tema é que tanto na visão cristã primitiva e tanto para seus principais e obviamente para o Rito Escocês Retificado, a gratidão é um elemento essencial para o crescimento espiritual e moral. Ela manifesta um coração transformado e alinhado com os desígnios Divinos. A ingratidão, por sua vez, é vista como uma falha de caráter e um entrave para a evolução do ser humano. Assim, em ambas as tradições, ser grato não é apenas uma questão de cortesia, mas um princípio espiritual que conduz à verdadeira iluminação e à reintegração com o Divino.

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