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O Cristianismo das Constituições de Anderson.


Guy Verval

A tese de uma Maçonaria pré-andersoniana cristã, quer dizer, ou católica como alguns desavisados gostam de falar, e de uma Maçonaria pós-andersoniana sem confissão religiosa, não resiste à leitura atenta do Livro das Constituições de 1723. Desde o primeiro artigo, que concerne a “Deus e à religião”, é dito que o Maçom “(must) be good man and true, or man of honour and honesty, by whatever denomination or persuasions they may be distinguished” (“(deve) ser um homem bom e verdadeiro, ou um homem honrado e honesto, seja qual for a denominação ou convicção pela qual se distinguem). Ora, a palavra denomination, em Inglês, designa, até hoje, as diferentes seitas ou variantes das religiões reformadas (Anglicanos, Presbiterianos, Quakers, Metodistas…) Todas tendo em comum o fato de serem cristãs! E as “Constituições” de Anderson reservam outras surpresas! Na história lendária da Ordem (pág. 20), podemos ler: “The Arts and Sciences … came to Rome: which thus became the centre of learning … under August Caesar (in whose reign was born God’s Messiah, the Great Arquitect of the Church)” (“As Artes e as Ciências … chegaram a Roma: que assim se tornou o centro do aprendizado … sob Augusto César (em cujo reinado nasceu o Messias de Deus, o Grande Arquiteto da Igreja)”.)Frase cristã, sem nenhum equívoco! Continuando (pág. 28): “Whem the Goths and Vandals … overran the Roman Empire … they utterly destroyed many of the finest edifices as the Asiatic and African Nations fell under the same calamity by the conquest of the Mahometans, whose grand design is only to convert the world by fire and sword, instead o cultivating the Arts and Sciences”(“Quando os godos e os vândalos… invadiram o Império Romano… eles destruíram completamente muitos dos melhores edifícios, enquanto as nações asiáticas e africanas caíram sob a mesma calamidade pela conquista dos maometanos, cujo grande projeto é apenas converter o mundo pelo fogo e pela espada, em vez de cultivar asartes e as ciências”). Tal como escreveu N. Cryer (1984), não se trata de uma linguagem impregnada de um deísmo tolerante, mas sim da expressão sincera de um cristão. Willermoz, em suas instruções, nunca se referiu deste modo aos muçulmanos!

Não vejamos nestes textos declarações simples e sem importância. Lembremo-nos, ao contrário, que eram textos para serem lidos na recepção do Aprendiz, como especifica o título completo das Constituições: “The Constitutions, History, Laws, Charges … of the Fraternity of Accepted Free Masons … to be read at the admission of a new brother …“ (As Constituições, História, Leis, Obrigações … da Fraternidade dos Maçons Livres Aceitos … para serem lidas na admissão de um novo irmão …“.).

Anderson não visava os cristãos do seu tempo, desunidos pelas guerras civis que ensanguentaram a Inglaterra do século XVII. Ele não tinha por objetivo outra coisa senão a reunião dos cristãos em Loja, qualquer que fosse a sua “denominação”: Anglicanos, Presbiterianos, ou Dissidentes. E sabemos que não eram raros os Judeus nas Lojas inglesas no século XVIII.

Além disso, na edição de 1738 das mesmas Constituições, Anderson confirma suas posições: “In his 20th year after Augustus, or the vulgar A.D. 34, the Lord Jesus Crhist, aged 36 years, was crucified without the walls of Jerusalém … and rose again from the dead on the 3rd day, for the justification of all that believe him” (“Em seu 20º ano depois de Augusto, ou o vulgar 34 d.C., o Senhor Jesus Cristo, com 36 anos de idade, foi crucificado fora dos muros de Jerusalém… e ressuscitou dos mortos no 3º dia, para a justificação de todos os que creem nele”) (pag. 42). Ou ainda (pag. 41), falando do 26º ano ( ? ) do reinado de Augusto: ” The word was made flesh, or the Lord Jesus Christ IMMANUEL (sic) was born, the Great Architect or Grand Maste of the Christian Church”(“O verbo se fez carne, ou seja, o Senhor Jesus Cristo EMANUEL (sic) nasceu, o Grande Arquiteto ou Grão-Mestre da Igreja Cristã”.) Estes extratos parecem ser claros. A carta constitutiva da Maçonaria especulativa cristã em sua expressão, e sem equívocos. Estas constituições foram reformadas na época pelas GrandesLojas da Irlanda e da França. E as adaptações francesas acentuaram ainda mais o caráter cristão: “Ninguém será recebido na Ordem sem ter prometido ou jurado a sua fidelidade inviolável à Religião, ao Rei e aos usos e costumes. Todo o maldizente que queira falar ou escrever contra os sagrados dogmas da antiga fé dos Cruzados será excluído para sempre da Ordem”. (Os estatutos usados nas Lojas da França, 1742, citado por P. Naudon, 1964, pág. 282). Não é possível ser mais explícito!

A conclusão se impõe. A Maçonaria era cristã antes e após Anderson. E assim permaneceu durante o século XVIII, na Inglaterra e na França, ainda que isso significasse uma adesão maquinal e relutante para muitos Maçons.

Mas, e isso é muito importante, não impediu, ao menos na Inglaterra, a iniciação de profanos não cristãos, isto é, Judeus, o que é uma honra para a Maçonaria inglesa. Onde se pode encontrar uma primeira etapa do processo de abertura das Lojas aos não cristãos, é na segunda edição das Constituições (1738). O primeiro artigo aqui é diferente: “A Mason is obliged by his tenure to observe the moral law, as a true Noachita”(“Um maçom é obrigado por sua posse a observar a lei moral, como um verdadeiro Noachita”.) Esta pequena palavra, “Noachita” (descendente de Noé) abria o caminho à tolerância recíproca entre Judeus e Cristãos, pois todos respeitam as Leis de Noé. A “tolerância maçônica” é o resultado de uma longa evolução, que não ousaríamos afirmar que já ter terminado. Se se pode aceitar as Constituições de Anderson como a primeira etapa desta evolução, deve-se ainda esperar o século XIX para vê-la concretizada em seus rituais. Na Inglaterra, a jovem “Grande Loja Unida”, criada em 1813, procedeu à reforma de seus rituais, retirando deles (quase) todas as alusões cristãs, sob influência do Duque de Sussex, Grão Mestre, que queria a universalidade da Ordem.

O R∴E∴R∴ foi criado no século XVIII, antes que este lento processo fosse bem sucedido. Ele é assim, naturalmente, impregnado deste cristianismo, mais alusivo que explícito, sempre limitado pelo desejo de afirmar a complementaridade dos dois testamentos (bíblicos). O R∴E∴R∴ não seafasta das linhas de força de seu tempo e a “regra maçônica em uso nas Lojas Retificadas” não passa por cima das convicções andersonianas ou das expressões dos primeiros estatutos da Maçonaria francesa.

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